Quanto mais tempo ficava conversando com a pessoa, mais incomodado ficava. Do outro lado estava uma pessoa amiga, que não falávamos fazia bastante tempo, despejando as suas emoções em mim.
Quando acabei a conversa, tive uma sensação de desconforto, repúdio e talvez mesmo de raiva interior. Estes sentimentos iam contra os sentimentos de amizade e carinho que nutria por esta pessoa. Como conciliar estes sentimentos conflituosos de amizade e raiva em relação á mesma pessoa?
Afinal, esta pessoa foi muito importante para mim num momento da minha vida em que precisava de muito apoio e suporte e ela esteve lá para mim. Eu estava a sentir tudo isso como se tivesse uma dívida emocional para com esta pessoa e agora tivesse de pagar os juros. Como resolver esta situação?
Para encontrar resposta a estas perguntas temos de ir a trás e tomar consciência dos condicionamentos que nos foram programados na infância, durante o relacionamento com pais narcisistas (pai ou mãe).
Esta situação que descrevi acima acontece com muitas pessoas criadas por pais narcisistas. Cedo a criança aprende que uma das funções que lhe são atribuídas é a de suporte emocional para a figura parental narcisista (em geral isto acontece mais no relacionamento com as mães do que com os pais). A criança aprende a “ouvir e calar”.
A programação que a criança foi sujeita leva-a não poder compartilhar as suas dificuldade e desafios experienciados na sua própria vida. Quando a criança tenta abrir-se sobre a sua vida interior e emoções é na maior parte das vezes interrompida com uma história de sofrimento dessa figura parental narcisista. Isto promove a invalidação dos sentimentos que a criança sente, levando a ignorá-los e suprimi-los futuramente.
O que é despejo emocional?
O despejo emocional é permitir que alguém desabafe consigo uma determinada situação / preocupação / problema, de modo frequente e repetido, sem nenhum plano ou ação para mudar.
No início o despejo emocional não é assim tão óbvio. Parece mais um desabafo sobre uma situação ou problema. E tudo bem, desde que não continue repetindo…
Por exemplo, se uma pessoa amiga conversa sobre uma determinada situação, eu escuto esse desabafo. Pode ser um problema com o chefe ou um relacionamento amoroso… ela desabafa, posso dar conselhos (se solicitado), e seguimos em frente com o nosso dia… Mas, se alguns dias depois, vou ouvir que a mesma coisa aconteceu, e no dia seguinte o mesmo e novamente a mesma coisa na próxima semana … Então dá para tomar consciência que essa pessoa não está em busca de uma solução, e que no fundo o que a pessoa está a fazer é puro despejo emocional.
O modo de funcionar dessa pessoa é continuar a permanecer nessa situação e, quando está farta desabafa (despejo emocional). Ela faz isto apenas para ser capaz de se acalmar momentaneamente e limpar a sua mente para a seguir suportar mais tensão emocional.
É diferentes quando os seus amigos desabafam uma ou duas vezes sobre determinada situação e a coisa fica por aí. No caso do despejo emocional a coisa repete-se e repete-se, e não há nenhum progresso pessoal da situação ou tentativa para lidar ou resolver a situação.
“A maneira como você se trata define o padrão para os outros.”
~ Sonya Friedman
Para quem está a ouvir isto pesa, desgasta e torna-se uma pressão desnecessária. Contudo, você fica na situação de ouvir, suportar e não dizer nada. A outra opção é falar sobre o desconforto que você está a sentir mas tem receio da reação da outra pessoa e do que ela pode pensar de você.
O problema é que, se você não decide fazer algo, a situação vai continuar e a pressão que você vai suportar será maior até que você não aguenta, perca a calma e diga coisas que poderá arrepender-se mais tarde. Parece que quaisquer das duas situações não é boa. Então o que fazer?
A resposta está no modo como você pensa de si próprio/a, isto é, até que ponto você se permite ser autêntico/a? Muitas pessoas estão agarradas a um conceito limitante de tentarem ser perfeitas em vez de humanas. Ao quererem ser perfeitas rejeitam a sua humanidade, o modo como são, como sentem e suas necessidades (no fundo a programação que lhe foi dada pelo pai ou mãe narcisista). Tudo isto para serem aceites pela outra pessoa.
Há ainda outra coisa que ajuda a ter uma nova perspectiva do problema. Você não é responsável pelo modo como a outra pessoa sente, pela felicidade dela ou pela resolução dos problemas dela. Aliás, essa própria pessoa não busca a resolução dos seus problemas!
Portanto, abdicar da ilusão de perfeição, permitir-se ser autêntico/a e não ser responsável pelo estado emocional da outra pessoa (mas sim pelo seu) pode dar a força necessária para ter a coragem de dar o passo em frente, abrir, e falar sobre o assunto. Isto é um dos primeiros passos para começarmos a criar limites pessoais emocionais que honram aquilo que somos. Estes limites pessoais emocionais são a nossa primeira linha de defesa contra pessoas e situações de abuso mas também para o nosso bem estar e equilíbrio emocional. No fundo é tomar conta da nossa própria felicidade.
Os seus limites pessoais emocionais são saudáveis?
Provavelmente nunca pensou nesta pergunta mas certamente gostaria de saber a resposta. Aqui está a oportunidade de saber isso de modo rápido. As seguintes perguntas seguintes foram adaptadas de “Boundaries and Relationships: Knowing, Protecting and Enjoying the Self” de Charles Whitfield. Responda a cada uma das seguintes afirmações com somente uma das seguintes palavras: “nunca”, “raramente”, “ocasionalmente”, “frequentemente” ou “sempre”.
- Sinto como se minha felicidade dependesse de outras pessoas.
- Prefiro cuidar dos outros do que cuidar de mim mesmo.
- Gasto o meu tempo e energia ajudando os outros tanto que negligencio os meus próprios desejos e necessidades.
- Tenho tendência para assumir o mesmo estado emocional das pessoas próximas a mim.
- Sou extremamente sensível a críticas.
- Tenho tendência a ficar “preso” nos problemas das outras pessoas.
- Sinto-me responsável pelos sentimentos das outras pessoas.
Se você respondeu “frequentemente” ou “sempre” às afirmações acima, isso pode ser uma indicação de que você tem problemas para estabelecer limites emocionais saudáveis.
Isto quer dizer que você, como tantas outras pessoas, é afetado pelas emoções e energia das pessoas e espaços ao seu redor. Um empata (de empatia) na linguagem comum. Contudo, às vezes, pode ser incrivelmente difícil distinguir entre a experiência que é sua e a experiência que as outras pessoas sentem.
Criar limites pessoais é cuidar de você e manter-se emocionalmente saudável.
O lado bom de ser assim é que você é muito sensível e percebe muito bem os estados emocionais dos outros, conseguindo estabelecer sintonia com grande facilidade. O lado mau de ser assim é você pode ficar sobrecarregado e superestimulados pelo que está acontecendo ao seu redor, o que por vezes pode deixar você totalmente incapaz de funcionar. Daí que seja extremamente importante você aprender a criar e gerir os seus limites emocionais de modo claro e inequívoco.
Como criar limites pessoais emocionais
Aqui estão algumas maneiras de iniciar o processo de criar limites emocionais mais saudáveis.
1. Tome consciência do que é importante para si.
Por outras palavras quais são os seus valores fundamentais, isto é, os valores que orientam a sua vida. Alguns exemplos seguintes: liberdade, criatividade, respeito mútuo, autonomia, amor próprio, etc. Estes valores podem ser a base para criar os seus limites pessoais emocionais do seguinte modo: se um dos seus valores principais é amor próprio e outra pessoa não respeita você, isto mesmo depois de você ter-lhe dado uma oportunidade, compete a si próprio tomar uma ação para que isso não volte a acontecer. Ao fazer isto você esta a respeitar e a tomar conta de si próprio, a demonstar amor próprio.
2. Proteja-se das “coisas” das outras pessoas.
Um dos indicadores que pode ajudar a reconhecer quando alguém está abusando ou violando os seus limites pessoais emocionais é quando você sente o seu corpo a ficar tenso ou a sua respiração fica superficial ou pára momentaneamente. Você sente-se preso, pequeno, indefeso.
A primeira coisa que deve fazer é lembrar de respirar. O ato de focar a sua atenção narespiração permite centrar novamente, tornar-se presente e expandir a sua energia ao redor. Nesse espaço, é possível pensar novamente e agir com mais clareza.
Outra coisa que é possível fazer quando você se sente sobrecarregado e oprimido é retirar-se imediatamente da situação. Na maior parte das vezes basta uns pouco minutos afastado da situação para você recuperar o seu equilíbrio. Contudo, há casos em que você tem de considerar não passar tempo com as pessoas que sempre drenam a sua energia. Podendo chegar a um corte total do relacionamento.
Outra coisa muito importante é ter um espaço seguro, só seu, para se retirar, praticar atenção presente (mindfulness), meditação ou visualizar um escudo protetor ao seu redor. Estes, assim como outros métodos, podem ajudar você a restaurar o equilíbrio sempre que os seus limites são abusados ou violados.
Descubra o que funciona melhor para você.
3. Aprenda a comunicar os seus limites de maneira clara e consistente.
Para muitos, essa pode ser a parte mais difícil do processo por vários motivos. Um, é que não gostamos de parecer que estamos a confrontar a outra pessoa. Outro motivo é que temos medo de definir limites pois pensamos que as outras pessoas na nossa vida possam começa a não nos aceitar, a ficar incomodadas, e até mesmo evitar estar connosco. No entanto, se realmente queremos ter relacionamentos saudáveis temos de aprender a comunicar os nossos limites de forma eficaz.
A seguir tem alguns exemplos de respostas que pode usar quando sente que os seus limites não estão a ser respeitados:
- Não me sinto confortável com isso.
- Não me sinto bem com isso.
- Eu não estou de acordo com…
- Agradeço se você não…
- Por favor, não…
- Não consinto que me trate desse modo.
Se você se encolheu ao pensar em usar qualquer uma destas frases, ficará aliviado em saber que você pode comunicar os seus limites sem precisa de palavras. Você também pode se comunicar de forma eficaz por meio do uso do não-verbal. Por exemplo:
- Fechar a porta
- Dar um passo para trás
- Cruzar os braços
- Não fazer contato visual
- Balançar a cabeça (na Índia isto tem outro significado, quer dizer sim)
- Sinalizar com as mãos
- Sair da situação sem desculpas nem dizer nada
Estes e outros comportamentos não-verbais podem ser maneiras menos ameaçadoras de comunicar aos outros que você não aceita nem aceitará isso da parte deles.
4. Seja paciente com o processo.
As pessoas que estão na sua vida vão precisar de tempo para se ajustarem aos novos limites que você está a criar. Contudo esse tempo de adaptação será menor quanto mais consistente você for a respeitar os novos limites que criou, sem excepções, nem cedendo sob pressão. Aliás, é possível que inicialmente o relacionamento se torne algo tenso durante a fase de reajustamento. Não desista, assuma total responsabilidade pela sua mudança e não do modo como as outras pessoas reagem aos seus novos limites. Ao fazer isto você vai também descobrir uma nova força que desconhecia em si.
Passado algum tempo você vai descobrir que é capaz de deixar que a outra pessoa tenha a sua própria experiência emocional sem que você se sinta parte dessa experiência. No fundo ficar mais no papel do observador atento mas não envolvido emocionalmente. Assim, você pode ouvir e não se enredar na situação nem se sentir obrigado a fazer algo sobre o que a outra pessoa estava sentindo.
Lembre-se que sempre que você muda um padrão, é natural sentir resistência, tanto interna quanto externa. Aliás, quando você põe em prática o novo padrão (os seus novos limites), o seu ego pode começar a agir e fazer você sentir que está “errada” ao estabelecer limites. Outras pessoas também podem ficar ressentidas com a sua nova assertividade (pois estavam habituados a comportamentos diferentes, o que pode causar atritos).
Lembre-se de ser gentil consigo próprio durante o processo. Você está a aprender a respeitar-se, a amar-se o suficiente, a reconhecer o que é saudável para si e a proteger-se daquilo que é tóxico.
Se chegou ao momento da sua vida para se libertar desse legado tóxico, não hesite em ter o apoio e ajuda que necessita. Acredite que a psicoterapia poderá ajudar a reencontrar a sua liberdade e capacidade amar.
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