Muitas das pessoas que sobrevivem ao abuso narcisistas ficam marcadas. Não se acham merecedoras de viver livres, de serem boas pessoas, de amar e serem amadas. O abuso narcisista deixa esta marca, é a marca do medo de viver a vida!
Quando crescemos num ambiente tóxico narcisista estamos sempre num constante estado de medo e insegurança, sem sentir segurança nem proteção. A criança está sempre num estado de constante alerta com medo que algo de mal lhe vá acontecer sem quaisquer aviso prévio.
Esta constante exposição ao medo leva a que a criança sinta medo como coisa comum e normal do quotidiano da sua vida. Fica dessensibilizada ao medo considerando que o seu estado emocional normal é estar com medo constante (muitas pessoas chamam isso de preocupação) por tudo e por nada, mesmo não havendo razões objetivas para essa preocupação. O outro estado emocional comum desta pessoa é estar com muito medo, fazendo drama, podendo mesmo chegar aos ataques de pânico.
O pensamento não faz superar o medo, mas a ação sim.
— W. Clement Stone
O medo instalado
Nestas crianças já adultas notamos este medo completamente instalado no sistema nervoso. A pessoa está sempre num constante estado de alerta e quer estar sempre em controlo da situação. Outros sintomas comuns são: sempre grande atenção aos estímulos tanto exteriores (cheiros, barulhos, agitação, etc.) como à conversa mental interior (sempre num estado de agitação mental interior) que nunca para; muita dificuldade em estar só. Ao nível do corpo a pessoa tem grande dificuldade me relaxar muscularmente, de se descontrair, de sentir o seu corpo sem tensão, de respirar calma, profunda e descontraidamente.
A maior parte destas pessoas adultas atravessa a vida achando o seu estado de medo crónico como algo normal, ao qual já nem dão relevo nem importância, mas que as marca definitivamente no modo como se relacionam com os outros, consigo próprias, já não falando do rol de doenças do foro psico-somático de que sofrem: insónias, hipertensão, problemas digestivos, incontinência, dores de cabeça frequentes, falta de equilíbrio emocional, doenças alérgicas e auto-imunes.
O medo é uma armas muito eficaz por parte do narcisista para exercer manipulação e controlo da outra pessoa, para a pessoa não ser livre, para a pessoa não poder falar abertamente com medo de consequências, para evitar que a pessoa explore novas possibilidade, para evitar que ela seja criativa e, pior que tudo para eliminar os sentimentos: de amor, compaixão, empatia, segurança e ajuda.
Eu não estou aqui, não existo
Pessoas que foram sujeitas a este tipo de ambiente tóxico durante a sua infância foram confrontadas com as seguintes opções para fazer face ao ambiente de abuso em que viviam: fugir do ambiente de abuso, revoltarem-se contra o ambiente de abuso ou fazerem de conta que não estavam lá, que não existiam.
Para a maioria fugir não era possível pois não havia para onde fugir (só como um desejo imaginado mas não realizável); revoltarem-se contra o abuso só iria agravar a situação pois não tinham apoio de outros membros da família e muito possivelmente a sua oposição poderia ser respondida por abuso físico ou pior. Então a maioria dessas crianças optou por fazer de conta que não estavam lá, que não existiam. Estas crianças refugiaram-se no seu interior; a confiança em que se baseava os seus laços afetivos quebrou; começaram a ficar mais em silêncio, falar muito pouco; a guardar os seus pensamentos e desejos só para si; a não correrem ou gritar em casa como crianças que eram; e a serem sempre muito auto-controladas, “muito bem comportadas”. No fundo a sua infância era comparável à vida numa prisão sem grades onde por vezes havia momentos de liberdade condicional como em festas de calendário (aniversário ou natal) ou a visita lá a casa de alguém empático e compassivo que os tratava bem.
Estas crianças aprenderam muito bem a serem controladas sem apontar ou criticar o abuso de que era alvos. Elas aprenderam submissão passiva e se algum rasgo de revolta aparecia a rapidamente escondê-lo dentro de si com medo de represálias.
O abuso era aceite como coisa normal, como parte do dia-a-dia, a obedecerem a tudo sem oposição nem opinião. A sua desconfiança em relação aos adultos e pessoas em geral tornou-se algo aceite. O que era por vezes estranho para estas crianças eram quando eram tratados bem por outras pessoas. Isso não era o normal ao qual estavam habituadas. Aliás, muitas nem reconheciam que estavam a ser bem tratadas e as que reconheciam isso achavam estranho e desconfiavam, pois não acham isso “normal”, nem sequer sabiam responder a isso com um “obrigado”, testemunhando o agradecimento àquela pessoa por ser boa para ela.
Deste modo, estas crianças foram forçadas a aprenderam a não ser, a tornaram-se especialistas em “invisibilidade” para não serem notadas e portanto escapar a mais abuso por parte de outras pessoas em quem não confiavam e com profunda cegueira emocional para quem as tratava bem.
Adultos marcados pelo medo
Estas crianças ao crescerem levam para a idade adulta os padrões comportamentais que aprenderam na infância: achar que serem abusadas é normal; desconfiar das pessoas em geral dificultando exporem-se e criar relacionamentos profundos; comunicarem pouco guardando tudo para si; não acreditando que alguém as possa querer ajudar de livre vontade (pensando mesmo que não merecem isso); não reconhecer nem saber como responder a quem as trata bem, ou a quem as ama.
No fundo o medo é como o frio faz-nos contrair, bloquear o crescimento, faz ficar dentro da concha, enquanto que o amor, compaixão, empatia, segurança nos ajuda a expandir e crescer.
Pessoas que passaram pelo abuso narcisista deste a infância ou em relacionamentos prolongados são vítimas inconscientes deste medo crónico. Noto isto em pacientes meus que juram a pés juntos “quero estar só do que cair noutro relacionamento tóxico” ou “relacionamentos nunca mais”. Uma coisa é chegar a esta decisão na vida da pessoa porque é isso faz mais sentido nesse momento, outro é chegar a essa decisão bloqueada pelo medo de um passado que a limita e contrai o futuro emocional.
Não é a morte que um homem deve temer, o que ele deve temer é nunca ter começado a viver.
— Marco Aurélio
Estas pessoas condicionadas por relacionamentos abusivos com narcisistas vão funcionar como naquele provérbio popular “gato escaldado tem medo de água fria”. Esta situação é muito triste pois a pessoa distancia-se do amor, da possibilidade de voltar a amar e ser amada com medo de cair num novo abuso, igual ao que passou.
Aprender a renascer para a vida
Estas vítimas mesmo que já tenham aprendido o método Pedra Cinza, mesmo que já tenham cortado completamente com o narcisista e estejam a usar o método Contacto Zero, elas ainda estão sob a influência do narcisista. Estão sob a influência do narcisista porque apesar do abuso ter terminado elas ficaram de tal modo marcadas pelo narcisista que a sua natural capacidade humana de dar e receber amor ficou suspensa, comprometida, privando-as de procurar e criar uma vida cheia e com significado, uma vida digna de ser vivida.
Não tenho medo de tempestades, pois estou aprendendo a navegar o meu navio.
–Louisa May Alcott
O medo de viver a vida não é uma condenação para todo o sempre, pode ser ultrapassado. É aqui que reside a importância de reconhecer a necessidade de fazer psicoterapia, não pelo que passaste em termos de abuso, mas para restaurar a tua capacidade de viver a tua vida com plenitude, com coração aberto e olhar com confiança para a possibilidade de um futuro relacionamento em que o amor verdadeiro possa existir.
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