É frequente encontrar pessoas que me procuram por terem tido problemas com narcisistas. Até aqui tudo normal é a minha actividade como psicoterapeuta .
No decorrer duma sessão começo a dar-me conta que a pessoa tenta convencer-me que afinal ela não tem problema nenhum, que ela não foi afectado pelo abuso e muito menos pelo trauma. Que afinal o objectivo dela é fazer contacto zero mas há ainda pessoas que necessitam dela e ela tem de ajudar, mas que ela não é o objectivo da ajuda que procura, que a ajuda que ela presta é muito importante para os outros. Começo a pensar, espera aí há algo que não bate certo.
Tento ir mais a fundo e ver como são as respostas emocionais a essas memórias e as respostas que ela me dá são do tipo que até pode ter sentido raiva mas que já não e que agora só sente vergonha ou pena do/a narcisista. As repostas são sempre articuladas e racionais, o que é muito pouco comum para uma pessoa que começa terapia e há tantas coisas que estão lá dentro para vir cá para fora, e normalmente com forte carga emocional. Ouço o que ela conta e tenho a sensação de como ela estivesse a contar a história de outra pessoa, algo distante, pois faltam detalhes pessoais e emocionais, como se tudo tivesse sido filtrado ou mesmo reprimido.
E ela continua, tentando sempre levar o problema para o/a narcisista, sublinhando que ela é que é a vítima com boas intenções, mas sempre desviando qualquer tipo de ajuda ou aprofundar o porquê de vir fazer terapia.
Quando questionada sobre os seus sentimentos em relação a experiências porque passou, tenta desviar a conversa, por vezes diz que não se lembra ou que não sabe encontrar as palavras exactas, mas sempre procurando a minha confirmação daquilo que ela diz ou afirma. Este é outro indicador importante a tomar nota, como é que eu posso confirmar ou não aquilo o que ela sente? A menos que ela própria não tenha a mínima ideia, e procure simplesmente uma confirmação verbal mas que não é sentida por ela própria.
Começo a suspeitar que há um mecanismo de defesa ou distorção cognitiva em ação, isto para perceber as respostas que ela dá. Esse mecanismo de defesa é a Negação.
O que é a negação?
A negação é um mecanismo de defesa que implica a recusa em aceitar certas realidades, bloqueando da consciência determinados eventos externos.
Se a situação é demais para a pessoa ser capaz de lidar com ela, uma das respostas possíveis é recusar-se a percebê-la ou mesmo negar que essa situação existe.
Muitas pessoas usam a negação no dia a dia para evitar lidar com sentimentos dolorosos ou áreas da sua vida que não desejam admitir.
Por exemplo, um marido pode-se recusar a reconhecer sinais óbvios da infidelidade da sua esposa. Um aluno pode-se recusar a reconhecer a sua óbvia falta de preparação para um exame! E nos relacionamentos com narcisistas isto assume uma dimensão enorme. Muitas vezes a vítima é sujeita a Gaslighting de modo contínuo, indo pôr em causa a sua percepção da realidade de modo a adequar a sua visão do mundo e de si própria à narrativa oficial do/a narcisista. É comum a pessoa começar a duvidar de si própria e do modo como percebe os eventos externos. Toda esta negação vai dificultar em muito que a vítima decida terminar ou abandonar o relacionamento. É por isso que muitas pessoas que desenvolvem co-dependência têm muita dificuldade em admiti-la.
Co-dependentes e a negação
A co-dependência é uma condição que vítimas de relacionamentos com narcisistas desenvolvem devido exactamente à exposição a esse abuso e trauma narcisista.
A maior parte dos co-dependentes não estão conscientes da condição que os aflige e, na maior parte das vezes quando confrontados vão negar vigorosamente e possivelmente desviar a conversa para outro assunto, pois só o facto de pensarem que são co-dependentes vai-lhes causar lhes muita ansiedade. É exactamente esta propensão para negarem que têm um problema que é um dos próprios indicadores de co-dependência.
Em geral os co-dependentes usam vários modos de negação:
- Negar o comportamento de alguém
- Negar a sua própria co-dependência
- Negar os seus sentimentos
- Negar as suas próprias necessidades
Negar o comportamento de alguém
Desculpar o/a narcisista pode tornar-se um hábito apesar de poder passar pela cabeça da pessoa co-dependente a possibilidade passageira de o comportamento dessa pessoa ser real, mas o co-dependente não quer pensar nisso. Irá rapidamente descartar esse pensamento como sem importância, minimizá-lo, justifica-lo ou desculpá-lo com explicações e racionalizações.
Isso é normal quando você não deseja admitir que alguém que você ama tem um sério problema mental ou comportamental, mas os problemas aumentam e um dia você descobre que está dando desculpas por um comportamento que nunca pensou que iria tolerar. É o que acontece com a negação. As coisas pioram.
Negar a sua própria co-dependência
Os co-dependentes acreditam que não têm opções sobre sua situação e/ou culpam os outros. Eles negam a sua própria doença para evitar dores mais profundas que querem evitar.
Outro motivo pelo qual pode ser difícil admitir que tem um problema e procurar ajuda é porque a pessoa co-dependente não está acostumada a olhar para si própria, para o seu interior. Focar nos outros protege-a de enfrentar sua dor e de assumir a responsabilidade pela sua própria felicidade. Este tipo de atitude mantém a pessoa co-dependente presa, continuando a perseguir o objetivo infrutífero de tentar mudar os outros ou procurar alguém que a faça feliz, tudo isto com base na falsa premissa de que sua felicidade está nos outros. Culpar os outros ou sentir-se superior ajuda a evitar o auto-exame.
Negar os seus sentimentos
Os co-dependentes geralmente são bons em saber o que as outras pessoas sentem e passam muito tempo preocupando-se com elas, mas geralmente há ressentimento envolvido nisso, mas não têm muita consciência de seus sentimentos, além da preocupação e/ou, às vezes, do ressentimento.
Quando estas pessoas ficam obcecadas com um vício – seja em relação a uma pessoa, comida, sexo, trabalho ou uma droga – geralmente é uma distração do que realmente estão sentindo. Se você perguntar a uma pessoa co-dependente como é que ela se está sentido a resposta na maioria das situações será “Estou bem” ou se você perguntar o que eles estão a sentir, muito provavelmente irão responder com um “Nada”.
Os co-dependentes entendem a dor física, mas não a emocional, isto acontece porque negam os seus verdadeiros sentimentos, o que seria um coisa perturbadora de experimentar.
Negar as suas próprias necessidades
Os co-dependentes são muito bons a antecipar e suprir as necessidades dos outros, mas negam ou minimizam as suas próprias necessidades. Mas também outro tipo de co-dependente que está no extremo oposto, são aqueles que exigem e esperam que todos os demais atendam às suas necessidades. Alguns co-dependentes foram negligenciados e as suas necessidades físicas básicas não foram atendidas. Outras pessoas que sofreram abuso podem nunca ter experimentado segurança em um relacionamento e não o esperam como um pré-requisito normal, tornando muito difícil para elas relaxar dentro de uma relação.
É por isso que muitos co-dependentes aprendem a ser auto-suficientes e, em particular, a negar as suas necessidades emocionais. Para eles é muito difícil expressar as suas necessidades num contexto de relacionamento pois isto requer confiança para que a pessoa se possa sentir vulnerável, especialmente quando essas necessidades para serem atendidas envolve a participação do parceiro/a.
O co-dependente pode negar e/ou sentir vergonha de suas necessidades de apoio, educação e o mais humano de todos – a necessidade de amor.
Mesmo que te tenham disto que você foi amado mas se você nunca recebeu cuidados ou teve seus sentimentos respeitados, muitos co-dependentes vão tentar preencher esse vazio com um vício. Relacionamentos viciantes servem como um substituto para a conexão real. Os co-dependentes gostam de cuidar dos outros e esperam receber amor em troca, mas são incapazes de ficar vulneráveis a seus próprios sentimentos, o que é necessário para manter um relacionamento íntimo.
Determinando se você é co-dependente
Imagino que neste momento você se esteja a questionar se é co-dependente. Foi por isso que coloquei abaixo uma lista de sintomas de co-dependência. Você consultar a lista de sintomas. Você não precisa ter todos eles para ser co-dependente, e há graus de severidade em relação à co-dependência.
ATENÇÃO a co-dependência se não tratada piora com o tempo mas com ajuda você pode recuperar e ser muito mais eficaz no seu trabalho e relacionamentos. Aqui estão alguns traços comuns:
Lista de sintomas de co-dependência
- Baixa auto-estima
- Não gostar de si próprio ou não se aceitar como é
- Sentir que você é inadequado de alguma forma
- Achar que você não é o bastante
- Preocupa-se ou pode considerar-se um fracasso
- Preocupa-se com o que as outras pessoas pensam de você
- Perfeccionista
- Agradar os outros e desistir de si mesmo
- Fracos limites pessoais
- Limites muito fracos e não há separação suficiente entre você e o seu parceiro
- Limites muito rígidos que impedem você ficar próximo do seu parceiro, criando falta de intimidade
- Limites que oscilam entre muito próximos e muito rígidos
- Reatividade
- Comunicação disfuncional
- Dificuldade em expressar pensamentos e sentimentos
- Dificuldade em estabelecer limites – dizer “Não” ou interromper o abuso
- Linguagem abusiva
- Falta de assertividade sobre suas necessidades
- Dependência
- Medo de ficar sozinho ou fora de um relacionamento
- Sentir-se preso em um relacionamento ruim e incapaz de sair dele
- Confiar demais nas opiniões dos outros
- Problemas de intimidade
- Evitar a proximidade
- Tentar controlar ou manipular outras pessoas
- Sentir-se preso em um relacionamento disfuncional
- Negação
- Negação da co-dependência
- Negação sobre uma realidade dolorosa no seu relacionamento
- Negação de seus sentimentos
- Negação de suas necessidades
- Tentar controlar os seus próprios sentimentos
- Gerindo e controlando pessoas na sua vida; dizendo a eles o que fazer
- Manipular os outros para sentir ou se comportar como você deseja (agradar as pessoas é uma manipulação)
- Obsessões
- Dependência de uma substância ou processo
- Emoções dolorosas
- Vergonha
- Ansiedade
- Medo
- Culpa
- Desespero
- Depressão
Obtendo ajuda para sua co-dependência
Se você acha que é co-dependente, você vai precisar de ajuda para mudar seu comportamento. Aqui estão algumas fontes de ajuda para aqueles que sofrem de co-dependência:
Leia tudo o que puder sobre co-dependência (mas a leitura por si só é insuficiente para mudar).
Vá para uma reunião dos Doze Passos para co-dependentes, como Co-dependentes Anónimos, chamados CoDA ou Al-Anon para familiares de alcoólatras. Existem outros grupos dos Doze Passos para parentes de outros viciados, como parentes de pessoas viciadas no jogo, viciados em drogas e viciados em sexo. Você pode procurar na Internet ou na lista telefônica para descobrir onde haja uma reunião perto de você.
Obtenha ajuda profissional de alguém com experiência em co-dependência. Eles podem ser especialistas em dependência química, psicólogos, psicoterapeutas ou psiquiatras.
Você provavelmente achará difícil se concentrar e se disciplinar para fazer mudanças sem o apoio de um grupo ou terapeuta. Se você tem um vício, interromper o vício deve ser sua primeira prioridade antes de enfrentar a co-dependência. Aqui está uma lista de coisas que você pode fazer por conta própria para começar:
Quando você estiver tentado a pensar ou se preocupar com outra pessoa, volte sua atenção para você.
Preste atenção no modo e tom como você fala e se trata. Grande parte da baixa auto-estima é auto-infligida. Treine-se para falar gentilmente e de modo encorajador, em vez de dizer a si mesmo o que você deveria ou não deveria estar fazendo ou o que há de errado com você.
Divirta-se e busque seus próprios hobbies e interesses.
Comece uma prática espiritual em que você passe um tempo sozinha consigo mesmo. A meditação é uma maneira ideal de ajudá-la a ficar mais calmo e auto-consciente.
Comece a procurar o lado positivo da sua vida e o que você faz. Faça uma lista de gratidão todos os dias e leia essa lista para alguém.
Defenda-se se alguém a criticar, prejudicar ou tentar controlá-la.
Deixe de tentar controlar tudo e a necessidade de gerir as outras pessoas. Lembre-se do ditado: “Vive e deixe viver”.
Aceite-se, você não precisa de ser perfeita.
Entre em contato com seus sentimentos. Não os julgue. Os sentimentos simplesmente são. Eles não são lógicos, certos ou errados.
Expresse-se honestamente com todos. Diga o que pensa e o que sente. Peça o que você precisa.
Procure ajuda quando se sentir mal. Não caia na armadilha de pensar que você é auto-suficiente e pode gerir tudo sozinha. Esse é um sintoma de co-dependência também.
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